A Receita Estadual e a
Procuradoria Geral do Estado (PGE) suspenderam nesta terça-feira (13) a emissão
de notas fiscais de 23 empresas capixabas acusadas de sonegar cerca de R$ 100
milhões em impostos.
O valor é
referente ao pagamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), que incide em 12% da exportação do café produzido no Espírito Santo.
Assim, de acordo com os cálculos dos auditores, juntas essas empresas
movimentaram cerca de R$ 1 bilhão desde 2015.
Segundo a
PGE, as empresas terão 10 dias para regularizar a situação e estornar aos
cofres do Estado os R$ 100 milhões sonegados, além do pagamento de multa de
100% do valor devido por cada razão social.
A
investigação, que começou no final de 2015, vai ser encaminhada ao Ministério
Público Estadual (MPES) que irá apurar práticas criminosas no esquema.
COMO FUNCIONAVA O ESQUEMA?
Das 23
empresas, 14 são empresas fantasmas que beneficiavam nove exportadoras de café
de diferentes regiões do Espírito Santo. Elas emitiam notas frias simulando a
compra de café de “laranjas” de outros Estados para empresas locais.
Dessa compra
era pago uma quantia em ICMS, que variava entre 7% e 12% do valor do produto,
que era depositada na receita de outros Estados. O pagamento gerava um crédito
que era abatido em uma nova venda do Espírito Santo para outros lugares.
Os
fraudadores compravam, então, café sem nota fiscal de produtores rurais e
descontavam esse crédito do café supostamente comprado de outros Estados.
“Constatamos que nessas empresas nunca houve movimentação de café, os ‘sócios’
tinham vários indícios de serem laranjas, já que não conheciam a atividade da
empresa e nem o nome dos outros sócios”, conta o subsecretário da Receita
Estadual Sérgio Pereira.
FRAUDE DO PRECATÓRIO
Outra forma
de bular o fisco, era pela compra dos chamados precatórios do Governo Estadual
- espécie de título de débito emitido pelo governo - que eram adquiridos para
abater débitos com o ICMS, prática que não é legalizada.
O procurador
geral do Estado, Alexandre Nogueira Alves, afirma que chamou a atenção o fato
de que os precatórios comprados eram de processos conhecidos como “precatórios
da trimestralidade”.
Estas ações
tem origem em uma lei estadual de 1987, durante a gestão do governador Max
Mauro (1987-1991) que autorizava o reajuste trimestral dos salários dos
servidores, já que na época havia uma maior instabilidade inflacionária. No
entanto, estes precatórios - que possuem valores milionários - foram
considerados inconstitucionais e suspensos pelo Tribunal de Justiça do Espírito
Santo (TJES) e tramitam, atualmente, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Alves destaca
que o procedimento não caracteriza nenhuma irregularidade, mas que se constatou
que houve “abuso do direito”, ao tentar usar o precatório para abater débitos
em ICMS.
“Não há
nenhum amparo legal para que se possa usar o precatório para pagar ICMS. Então,
quando eles tentavam abater, a Receita negava o procedimento e eles ficavam
“devendo” a quantia ao Estado. No entanto, eles voltavam a realizar o mesmo
procedimento em seguida, repetindo o processo até 400 vezes, mesmo sabendo que
era ilegal. O benefício, neste caso, era protelar o pagamento”, explica.
ESQUEMA PODE TER SIDO \'TERCEIRIZADO\'
Alves
ressalta que o procedimento das nove empresas na fraude do precatório era
idêntico. Questionado se é possível que um intermediário tenha atuado para
montar o esquema e oferecer o “benefício” a empresas de café, o procurador
disse que essa hipótese não está descartada.
“Vamos
encaminhar todos os dados dessa investigação para o Ministério Público Estadual
(MPES) que irá apurar se houve prática criminosa nessa transação”, afirmou.
Para o
secretário da Fazenda, Bruno Funchal, a prática distorce o mercado e
possibilita que empresas sonegadoras possam vender o café a preços mais baixos,
prejudicando quem arca com os impostos regularmente.
“A gente
presume que a venda dos precatórios, por exemplo, era feita por um valor menor,
que havia um deságio, já que eram precatórios antigos, suspensos pelo STF. Só
neste esquema foram sonegados R$ 60 milhões dos cofres estaduais. Em relação a
compra de créditos de ICMS de outros Estados, existe um protocolo de segurança
entre as receitas para impedir essa prática. Constatamos que boa parte dessas
empresas laranjas eram do Paraná e do Sergipe, que assinaram recentemente o
protocolo, fazendo com que estes sonegadores migrem para outras regiões”,
conta.
A Secretaria
da Fazenda ainda vai manter diligências em outros municípios do Estado para
averiguar se há indícios da disseminação da fraude para outras empresas.
EXPORTADORES DE CAFÉ DIZEM QUE SONEGADORES DISTORCEM MERCADO
De acordo com
o presidente do Centro de Comércio de Café de Vitória (CCCV), Jorge Luiz
Nicchio, a sonegação de impostos na exportação de café prejudica não só o
Estado, que perde em arrecadação, como os cafeicultores capixabas que ficam
impossibilitados de competir com o preço do café “sonegado”.
Nicchio cobra
que a fiscalização da Receita Federal também se debruce sobre os compradores do
café “fraudulento”, que, segundo ele, sabem da condição irregular do produto
comprado.
“Quem compra
também tem que ser investigado, pois sabe que se o café capixaba é vendido a R$
420 no Espírito Santo, não pode ser vendido a R$ 410 no Paraná, como vimos.
Teria que haver, no mínimo uma taxa de frete aí em cima. Quem compra sabe que
tem algo de errado”, aponta.
Segundo ele,
a diretoria do CCCV se reuniu com o governador Paulo Hartung (PMDB) há 50 dias,
para alertar sobre a prática.
“A gente paga
em torno de R$ 50 de ICMS em cada saca de café, enquanto que o concorrente
sonegador tem essa margem para mexer no preço da saca. Isso distorce o
mercado”, desabafa.