O
vice-presidente do Centro do Comércio de Café de Vitória (CCCV), Márcio Cândido
Ferreira, deu uma “aula” sobre o comportamento dos mercados nacional e
internacional de café. Abaixo, o especialista faz uma análise e dá informações
valiosas, que darão todo diferencial na hora de comercializar a produção.
Confira a entrevista concedida à Revista Esta Terra.
O que o
produtor capixaba precisa saber sobre a comercialização de café?
O café em grão cru é uma commodity negociada nas Bolsas
(futuros) na modalidade posto armazéns credenciados (Europa e USA). Arábica –
Bolsa de NY e Robusta – Bolsa de Londres. As compras no mercado externo são via
de regra em diferenciais (descontos) contra as cotações das Bolsas na
modalidade FOB origem (Brasil, Vietnam, Indonésia, Colômbia, etc.)
Desta forma, os compradores têm a indicação dos diferenciais
e assim estão todos alinhados ao mercado, com as variações de prêmios ou
deságios de qualidade no caso do arábica.
No caso do robusta, ou conilon, a matéria prima é similar e
as indústrias no mundo basicamente consideram aproximadamente o mesmo
diferencial como referência para Brasil, Vietnã e demais. Assim, todos estão
alinhados com seus concorrentes no que diz respeito ao custo da matéria-prima.
Como entender a
competitividade do mercado?
Os compradores vão sempre comprar da origem que for mais
competitiva, ou seja que apresentarem os melhores diferenciais contra a bolsa
(maiores descontos).
Também, não há perda de qualidade ou rendimento comparando
Robusta de outras origens com conilon.
Toda vez que o Brasil está menos competitivo que o Vietnã,
por exemplo, a exportação de conilon em grãos é residual. Este é o primeiro
“alerta” quanto à perda de competitividade.
O conilon fica restrito ao mercado interno para atender as
indústrias de café torrado & moído (T&M) e as indústrias de café
solúvel cuja matéria prima é basicamente 100% robusta/conilon.
Se a perda de
competitividade se acentua, qual impacto gera na indústria?
Na indústria de café solúvel há perda de participação no
mercado mundial, muito difícil de recuperar. No T&M há redução do conilon
no blend, em favor do padrão arábica para consumo interno.
Reinserir o conilon no blend não é tão simples, devido à
incerteza de fornecimento contínuo a preços alinhados, ou à inconsistência de
paladar fruto de flutuações destes blends.
Quando é um bom
momento para o produtorvender seu café?
Não existe “bola de cristal”, mas é importante munir-se de
informações. Às vezes, a informação pode não ser aquela que o produtor
gostaria, mas sendo de qualidade, de fonte confiável, com certeza o ajudará na
tomada de decisão.
Trabalhando, por exemplo, com preço médio a cada duas
safras, e acompanhando as tendências do mercado (ao invés de se ausentar dele),
não haverá necessidade de vender agressivamente baixo porque “perdemos o
momento adequado”. Ter os custos “na ponta do lápis” e reduzir sempre que
possível. Vale lembrar que em algum
lugar do mundo, como no Vietnã ou na Indonésia, os produtores estarão fazendo o
mesmo.
O Custo, com carga tributária, obrigações trabalhistas,
logística e outros, fazem parte da realidade de todos, produção, comércio,
indústria. O ganho com produtividade, onde o produtor de conilon é referência,
tem ajudado a reduzir o custo e ser mais competitivo.
Que outras
informações são importantes o produtor acompanhar?
- Cotações do conilon e arábica – já divulgados pelo CCCV
- Taxa Dólar
- Fechamento e variação Bolsas Londres e NY
- Diferenciais contra a Bolsa de Londres: Vietnã e Brasil
Como o produtor
pode agir diante dos preços que o mercado está praticando?
Tendo os custos sob controle, a fim de cobrir estes custos,
o produtor deve vender primeiramente o volume necessário. Posteriormente, e no
ritmo da tendência do mercado, diluir a venda durante a safra. Se há produto, e
os preços são razoáveis não há porque não vender. Especular com preços
aviltados para seus clientes jamais, pois este mercado não sobrevive.
Se o preço for extremamente baixo, é natural que ocorra uma
retenção. O Vietnã é a referência, pois a retenção exagerada hoje pode criar
excesso de estoque posteriormente, e nesse meio tempo, o Vietnã ocupou nosso
espaço.
Em relação às
estimativas de safras, qual é a mais confiável?
Geralmente para a maioria dos produtores a fonte que prevê a
menor safra se torna a sua “bíblia”. Porém, tanto as estimativas mais baixas
como as mais altas podem carregar um certo ingrediente de tentativa de
direcionar o mercado. O ideal é trabalhar na média/mediana, expurgando as mais
altas e as mais baixas.
Diversas estimativas são divulgadas por várias fontes como
Governo (Conab e IBGE), empresas privadas (exportadores e dealers),
cooperativas, USDA (Depto de Agricultura dos EUA), e até bancos e corretores.
Utilize-se do CCCV e outros sites para ter acesso.
Ao final de cada ano safra, procure analisar os números,
pois, contra os fatos não há argumentos. Informe-se sobre qual era o estoque
inicial, qual foi o volume exportado (arábica + conilon + solúvel: Cecafé /
Abics) e qual foi o consumo interno no Brasil: (Fonte Abic). Por fim, o estoque
final. A soma desses volumes e a diferença entre estoque inicial e estoque
final, resultará no que foi efetivamente o tamanho da safra. Volte e compare
com as estimativas para tirar suas conclusões sobre as estimativas.
Que lições
ficam das estiagens que prejudicaram as últimas safras no ES?
No âmbito da sustentabilidade, ou seja, preservação das
nascentes, reservas, uso racional da água. O Governo do Estado tem trabalhado
muito nesta direção. Isto terá que ser exercício contínuo.
No que diz respeito ao mercado, há uma necessidade de
conscientização maior de parceria.
Aparentemente houve uma retenção exacerbada, que beneficiou
a poucos e prejudicou a muitos. Mercado que exagera para cima ou para baixo,
tende a corrigir posteriormente. Não podemos esquecer essa regra. Quando nossos
preços eram incompetitivos o Vietnã vendia. Hoje apesar da queda das Bolsas
eles continuam competitivos.
Em 2016, quando
se pleiteou mais fortemente a importação de café, qual era o entendimento da
indústria sobre isso?
O Espírito Santo, salvo em condições climáticas totalmente
desfavoráveis, é referência nacional e mundial em produtividade, principalmente
no conilon. Em 2016 O PREÇO DO CONILON SUPEROU EM MUITO O PADRÃO ARABICA
CONSUMO INTERNO E INCLUSIVE ULTRAPASSOU A BICA ARÁBICA FINO PADRÃO EXPORTAÇÃO,
o que levou a crer que não havia estoques, conforme levantamento do Governo
(Conab). Entretanto, a produção garantia
que estoques existiam. Naquele momento a indústria brasileira pleiteava a
importação de conilon, que estava estocado no exterior, ou de robusta Vietnã.
Mesmo em condições climáticas desfavoráveis, o preço da
matéria-prima tem limite para as indústrias. Existem outras origens e as
indústrias nacionais de Solúvel e Torrado & Moído não podem se tornar tão
incompetitivas ao ponto de perderem participação no mercado (Solúvel) ou serem
obrigadas a reduzir drasticamente o percentual de robusta em seus blends
(Torrado e Moído) encarecendo seus custos.
Também o consumidor brasileiro não pode ser refém quando
existe um alívio. Nós também somos consumidores e sentimos na pele quando o
preço de algum produto escapa de controle.
A indústria nacional, em momentos de escassez ou retenção exagerada
deve ter acesso à matéria-prima a preços competitivos para evitar os prejuízos
já mencionados. Se há escassez há de se cobrir, se há retenção exagerada, há de
se repensar.
A estiagem que tanto prejudicou, não poderia ter sido fator
determinante para a perda de mercado por parte da Indústria de Solúvel. Se a indústria
brasileira perde participação para outras origens, então perdemos todos,
principalmente o produtor de conilon.
A importação de café ou de qualquer outra commodity,
principalmente como drawback, é necessária quando a distorção contra o mercado
interno atinge patamares intoleráveis. O tamanho do mercado não se define pelo
que podemos suprir hoje, mas sim pela participação histórica e crescimento
anual. Disso não se pode abrir mão.
Naquela oportunidade, o CCCV se posicionou contra a
importação, por entender que havia produto. Sabemos da importância do diálogo e
da união de todos os envolvidos no setor café: produtor, exportador e
indústria, pois são setores dependentes um do outro e, precisam se unir para
que todos tenham sucesso. Criar uma harmonia é fundamental para que todos
mantenham suas atividades com rentabilidade e, acima de tudo, com perspectivas
de que seu negócio seja sustentável no longo prazo.
Precisamos amadurecer a relação produtor x indústria, como
fornecedores e clientes ativos no mercado, enfim como parceiros. Quanto ao
governo, sabemos que visará proteger o consumidor contra preços exacerbados,
bem como mediar a discussão entre a indústria e a produção. Quanto mais madura
for a relação entre produção, comércio e indústria, menos o Governo irá
interferir, o que seria o ideal.
Como está o
mercado de conilon atualmente?
O diferencial do conilon contra a Bolsa de Londres está se
alinhando com o Vietnã, e atualmente é competitivo comparado ao arábica consumo
interno. A safra 18/19 de conilon indica uma boa recuperação da produção
brasileira e principalmente do Espírito Santo. Ou seja, não podemos perder a oportunidade
de reconquistar o mercado. Boas práticas nos levam a bons resultados e bons
relacionamentos. Desejo sucesso e bons resultados a todos!
Fonte: Revista Esta Terra – Federação da Agricultura do Espírito
Santo, Ano XVIII, n.º 295, Jan/Fev 2018, pp. 8-10