Bastava editar um decreto revogando o decreto 6.620/2008, que exigia carga própria para autorizar terminal privado. Mas não, resolveu o governo revogar, por meio da MP 595/2012, uma das melhores normas do país - a Lei 8.630/93. Objetivo: doação para campanhas.
Aliás, o aumento de oferta de terminais privados é condição necessária, mas não suficiente para reduzir custos. Quatro anos após a edição da MP, essa redução ainda não chegou ao usuário.
Em muitos casos, o custo logístico chega a ser maior do que o valor da carga transportada
Ao contrário, os custos continuam aumentando, agravados pela recusa da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) em regular o armador estrangeiro e os seus agentes intermediários, diferente da Federal Maritime Commission nos EUA.
Além disso, a Antaq tem autorizado a duplicação de monopólios, violando a defesa da concorrência e a obrigatoriedade de licitação para serviço público, apesar das denúncias da Associação de Usuários de Portos da Bahia - Usuport, sobre a ampliação dos únicos terminais de contêineres na BA e no RS, cujas práticas abusivas foram condenadas pelo Cade e STJ.
Nessa indústria de rede transnacional, são comuns condutas abusivas e os usuários enfrentam grande burocracia, greves e omissões regulatórias, que aumentam os custos de transação.
A reforma do Estado dos anos 90 inseriu na administração pública o modelo de regulação setorial dos EUA que continua "on paper", vez que as agências, com exceções, permanecem capturadas pelos políticos que representam grupos transnacionais prestadores de serviços.
Em 2001 foi criada a Antaq para regular o transporte aquaviário e os portos. Como mais de 95% do comércio exterior brasileiro é feito pelo mar, e quase 100% por navios estrangeiros, para a nossa economia é estratégico que a Antaq regule esse modal e crie uma política de defesa da concorrência e de Marinha Mercante para reduzir essa vulnerabilidade diante da total dependência dos estrangeiros.
Alguns desses problemas acabariam se a Antaq regulasse o transporte marítimo internacional, por meio das empresas "estrangeiras" de navegação e dos seus intermediários, que operam sem regulação econômica, ao contrário das empresas brasileiras de navegação (EBN). Assim, mesmo que terminais reduzam seus custos, terão dificuldade de repassá-los ao usuário, porque a "estrangeira" continua fora da regulação e se apropria dessa redução, criando mais preços. É como enxugar gelo.
A Antaq ainda não criou poder dissuasório para defender o interesse público no setor. Decorridos quinze anos da sua criação, ela não editou um Regulamento Marítimo para tratar dos direitos e deveres dos armadores e dos usuários, e nem um Regulamento de Defesa da Concorrência, que identifique e puna as condutas infratoras da ordem econômica, como sugerido pelo Cade (2007) e pela SEAE (2009).
Essa política tem prejudicado: a EBN, que tenta entrar nesse mercado oligopolizado, como já reconhecido pela Antaq; os terminais não verticalizados (sem "estrangeiro" como acionista), que serão dizimados pelos verticalizados; e os usuários, porque tais ganhos não serão repassados a esses.
O mesmo se dá com as EBN's, como a Maestra, que operava na cabotagem e encerrou as suas atividades, e a Posidonia, que sofre problemas de barreiras de entrada criadas pela Antaq, com a Resolução 1/2015, que regula os afretamentos e protege o cartel transnacional do setor.
Sem previsibilidade, modicidade e acompanhamento do frete, para evitar combinação de preços e a formação de cartéis, e dos custos extra-frete, como a demurrage de contêiner, de até 25 vezes o valor desse equipamento, e o terminal handling charge (THC), os usuários continuarão pagando preços não módicos.
A Antaq permite, ainda, a conversão abusiva do câmbio e o THC sem comprovação do ressarcimento. Na navegação de longo curso tudo acontece sem o Estado saber o que ocorre no mercado.
É a força da minoria organizada (lobby das "estrangeiras" e terminais) que vive em Brasília e pressiona a agência para defender os seus interesses, às vezes, prejudicando a maioria desorganizada (mais de 250 mil usuários). Estes, além de pagarem tributos, pagam armazenagem "ad valorem" CIF da carga e por período, e não por dia, já proibido pelo STJ, e mais de 20 preços extra-frete.
Nessa selva, as pequenas e médias empresas não sobrevivem. Em muitos casos, o custo logístico é maior do que o valor da carga transportada, o que contribui para a nossa ridícula participação no comércio exterior mundial: menos de 1% e caindo.
A Antaq pouco ou nada faz. Nesse setor, o Cade tem sido tímido. A competência principal da defesa da concorrência é da agência, que deve(ria) conhecer o mercado. Centenas de empresas estão deixando de operar ou reduzindo suas atividades no comércio exterior pela omissão da Antaq na criação de uma política de defesa da concorrência e do usuário. Outras não investem devido a tais abusos.
Nesse cenário, há uma esperança. Trata-se da decisão do TCU, no Acórdão n. 1439/2016, relatado pela ministra Ana Arraes que, após denúncia da Usuport RJ, determinou que a Antaq regulasse a atividade dos estrangeiros. A Antaq não tem controle sobre os consórcios entre estes (joint ventures) e é incapaz de determinar se tais joints são criados para derreter a concorrência, prejudicando EBNs e usuários. Enquanto isso, nos EUA e na UE, os armadores amargam severas punições dos reguladores por tais condutas.
Os usuários estão pagando milhões de dólares por dia, bilhões por ano, em cobranças indevidas e precisam de regulação eficaz para ontem, pois os prejuízos estão sendo pagos hoje. Em face da omissão da Antaq, ironicamente, quem regula a navegação de longo curso e a cabotagem são os "estrangeiros", que ainda operam fora da regulação e do capitalismo no setor.
Fonte: Valor Econômico Osvaldo Agripino é advogado, sócio do Agripino & Ferreira e pós-doutor em Regulação de Transportes pela Harvard University